Joaquim: a Larga e a Estreita
Hoje é uma rua só, entre o Campo de Sant’Ana e a Avenida Rio Branco, ou, melhor, uma avenida também na nomenclatura oficial: a Avenida Marechal Floriano Peixoto, mais conhecida popularmente como Rua Larga. Mas antes de Pereira Passos eram duas: a Estreita e a Larga de S. Joaquim. Das duas, a Estreita foi a que primeiro nasceu, na primeira metade do Setecentismo, aberta em terrenos da Chácara da Conceição dos Coqueiros, de Julião de Oliveira. Perto, junto à Vala (ou Uruguaiana), havia um “pelame”, e eis por que lhe deram inicialmente o nome de Rua do Curtume ou Julião. Começava na Vala e morria no Caminho do Valongo, agora Rua do Camerino. Conta-nos Vieira Fazenda, que a freqüentou como estudante, que era das mais sórdidas do Rio oitocentista, e na sua maior parte ocupada por prostíbulos, casas de tavolagem e esconderijos de malandros. Em compensação, era nela que estava a preta Josefa, uma doceira cuja maior freguesia se constituía de alunos do Imperial Colégio D. Pedro II das suas vizinhanças.
Quando ela ainda se chamava do Curtume ou dos Coqueiros, nos meados do século de seu aparecimento, o latifundiário da zona do Valongo, Manuel Campos Dias, construiu na sua desembocadura uma pequena igreja dedicada a S. Joaquim, e que sob D. João VI era tida pelo Padre Perereca como bem elegante e moderna entre as demais da cidade.
As terras que a circundavam formavam, por assim dizer, um bairro rural, a Vilaverde de que tanto falavam os cronistas d’antanho, cheio de olarias e plantações e que era por onde transitavam os carros de bois, as carroças e os cavaleiros do comércio entre o centro urbano e o interior próximo — uma gente quase toda ela arruaceira e que a trazia em polvorosa. Para o norte, e até os mangues de São Diogo, estendia-se o vasto Campo de S. Domingos, no qual outros campos ou largos já se estavam formando, como o Rocio, o de S. Francisco e o de Sant’Ana. E nele, rompendo as cercas das chácaras de Manuel Casado Viana e de D. Emerenciana Dantas, foi que uma rua nova surgiu nas décadas finais do século da Inconfidência Mineira, para encontrar-se às portas da Igreja de S. Joaquim com a dos Coqueiros ambas de São Joaquim daí em diante chamadas. E como se caracterizasse a nascente pela sua largura excepcional para a época, três a quatro vezes maior que a do costume, ficou sendo logo a Larga, e a mais velha a Estreita de S. Joaquim, a Estreita da igreja para baixo.
O primeiro a cogitar da conversão das duas numa avenida, que ligasse a Cidade Nova ao mar, através da hoje Rua Visconde de lnhaúma, foi o Barão Félix Taunay, terceiro diretor da Academia de Belas-Artes. Seu projeto, exposto em 1840, morreu no nascedouro, do mesmo jeito que outros, posteriores, de Pereira Passos e Paula Freitas e do Prefeito Francisco Furquim Werneck de Almeida. Prefeito por sua vez, no Governo Rodrigues Alves, então Pereira Passos nela realizou o que tempos antes imaginara, alargando-a entre a igreja e a Rua Uruguaiana e levando-a a juntar-se à Visconde de lnhaúma na Avenida Rio Branco, graças à demolição de becos e travessas da zona de Santa Rita. Simultaneamente foi até ela prolongada a Rua do Sacramento, depois denominada Avenida Passos, e demolida também a Igreja de São Joaquim para que outra a substituísse em S. Cristóvão.
Foi nela, na Larga, que se inaugurou em 1874, no número 104, a primeira Escola Normal do Rio de Janeiro. Era particular, de propriedade e fundação do Senador Manuel Francisco Correia, fundador também da Sociedade Promotora da Instrução. Ele mesmo, no entanto, a fechou no ano seguinte ao ser assinado o decreto que criava a nossa primeira escola normal pública, e isso 11 anos depois de ter o Barão da Estrela fundado nela, em 1863, com um grupo de amigos, a Caixa de Socorros D. Pedro V neto de D. Pedro I e filho da Rainha D. Maria II, a Brasileira, mãe também de outro rei famoso dos portugueses, D. Luís, o abolicionista, o progressista.
Mas o que nela existe de fundamental é o Colégio Pedro II, é o Itamarati e é a Light, o que de há muito vem dela fazendo, por excelência, o centro do ensino secundário e da energia elétrica do Rio de Janeiro e da diplomacia brasileira.
Na verdade o colégio nasceu longe dela, e antes de 1750, na sacristia da Igreja de S. Pedro dos Clérigos, na demolida Rua de São Pedro, como aqui já foi dito antes, nas páginas a ela referentes.
Abrigo de órfãos, transformou-se numa casa de ensino ao vir para a Igreja de S. Joaquim, e já agora com alunos que também pagassem mensalidades. Por causa da túnica de linho branco que usavam, o povo os chamava de carneiros. Estudavam, de preferência, latim e cantochão. E cantavam nas missas solenes das outras igrejas e nos enterros pomposos. Chegado D. João VI, requisitaram-no para alojamento da tropa. Desfez-se, pois, o colégio com a remoção dos de mais vocação religiosa para o Seminário de S. José, na Ajuda. Mas em 1821 D. Pedro o restabeleceu, com o nome de S. Joaquim. Em 1831, sob a primeira Regência, passou para a Câmara MunicipaI, já decadente, para ser em 1837 reorganizado completamente como o primeiro de ensino secundário do país, sob o nome de D. Pedro II ainda menino, e por iniciativa, principalmente, de Bernardo de Vasconcelos. Adaptou-o para esse fim o arquiteto Grandjean de Montigny. Seu primeiro reitor foi o erudito Frei Antônio de Arrábida, Bispo de Anemuria, bibliotecário do Convento de Santo Antônio.
Entre as mais belas residências particulares construídas no Rio nos meados do século XIX pelos primeiros novos-ricos e novos-nobres do café plantado no Vale do Paraíba, destacava-se o palacete da Rua Larga, do Conselheiro Francisco José da Rocha, nascido em Portugal, filho do decano do Corpo do Comércio e segundo Barão de Itamarati, com chácara imensa também no Maracanã.
Assim que a República foi proclamada, nele se instalou o Governo Provisório, que o adquiriu por 630 contos da Baronesa viúva. Morador no Campo de Sant’Ana, quase na esquina de Visconde de Itaúna, Deodoro a ele chegava todas as manhãs, para os seus despachos. Em 1891, já em desacordo com a maioria dos seus companheiros de 89, o velho Marechal rompeu com eles e dissolveu a Constituinte, no primeiro golpe de Estado havido no Brasil após o de 1823 de Pedro I. Seu gesto foi mal visto pela Esquadra e outras forças também, civis ou militares, e daí sua renúncia. E então Floriano, que vivia em casa alugada na Rua Santa Alexandrina, dela desceu para ocupar o poder na mais grave das crises já suportadas pelo regime republicano. Por isso mesmo resolveu ele residir no próprio Itamarati, ou melhor, numa casa menor que ao seu lado havia e a ele agregada. Nela ficaria depois Prudente de Morais, nas mesmas e modestas acomodações. Em 1897 a Presidência mudou-se para o Catete, e o palácio da Rua Larga foi cedido ao Ministério do Exterior, que estava na Glória, onde depois se ergueria o Palácio Arquiepiscopal. Na gestão de Rio Branco passou ele pela sua primeira grande reforma, a cargo do escultor e arquiteto Beltzi, o do monumento do Ipiranga, em São Paulo. Nos seus fundos, foi construído, nessa ocasião, um edifício novo, do lado de quem vai da Light para a Central. Rio Branco tinha nele, na parte velha, seus aposentos, nos quais morreu em 1912. No Governo Washington Luís, o Ministro Otávio Mangabeira o ampliou, decorando-o mais luxuosamente ainda e dotando-o de um belo jardim.
Pegados ao Itamarati funcionaram, além do gabinete do Ministro da Guerra e outras repartições militares, o Conselho Superior de Guerra e Justiça, que depois se transformou no Superior Tribunal Militar e, por último, o Serviço Geográfico antes de ir para o Morro da Conceição.
Na calçada fronteira, e mais para o lado da Avenida Passos, a Sociedade Beneficente Portuguesa D. Pedro V, o neto de D. Pedro I, fundada em 1863, construiu sua sede própria ainda na segunda metade do século XIX — e nesse tempo era ela uma rua tão diferente da de hoje que, além do palácio residencial do Barão de Itamarati, possuía grandes casas como a do General João Calado, com jardim na frente, e repuxos, onde hoje é o magazine “A Triunfante
A Light and Power nela se instalou em 1911, num edifício monumental, no mesmo lugar onde havia estado antes a primitiva Companhia Carris Urbanos de bondes puxados a burro. Pelo contrato assinado em 1907 entre seu organizador, Sir Alexandre Mackenzie, e o Prefeito, General Sousa Aguiar, a ela, que absorvera a Societé Anonyme du Gaz, caberia unificar e eletrificar todas as linhas de bondes do Rio (exceto, no começo, as do Jardim Botânico) e dotar a cidade de energia elétrica e luz abundantes, para o que já se estava construindo a usina de São João Marcos, ou Ribeirão das Lajes, a que se juntariam outras maiores. Era, para os cariocas, o começo de uma vida nova, de progresso mais rápido, com bondes elétricos formando subúrbios e bairros novos, o povo gozando de mais conforto e a indústria multiplicando-se por toda a parte.
E eis por que, ao falecer o fundador da grande empresa então ainda canadense, o seu nome (o nome de Alexandre Mackenzie) seria dado a uma rua próxima, a Rua do Costa, aberta no Setecentismo entre a Larga e o pé do Morro do Livramento, na chácara do homem rico Costa Barros. No começo deste século ela se havia chamado, sem êxito, General Gomes Carneiro. E é a mesma Rua do Costa de que nos fala Machado de Assis no seu conto de escola, inspirado numa escola que nela existiu e que foi, sem dúvida, a primeira das que ele freqüentou na infância menino pobre que era das redondezas... E onde em 1870 Álvaro Borgerth, o introdutor da patinação no Rio, abriria o seu Rink de sociedade com Alfredo Reis e Duarte Fiuza. E onde também Coelho Neto vivera seu tempo de criança.
Fonte: http://www.cp2centro.net/historia/larga/larga.asp?
sexta-feira, 4 de julho de 2008
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